1 Ano de Taproom
Esse mês estamos completando um ano Taproom, como preferimos chamar o espaço onde servimos as nossas cervejas direto para o público. Uma data muito significativa para nós, que marca o nosso amadurecimento como cervejaria e nos traz uma bela desculpa para fazer uma retrospectiva e contar um pouco de como chegamos aqui e o que aprendemos nessa trajetória.
Vamos lá:
A decisão de montar a nossa própria cervejaria ocorreu logo após o lançamento da Melonrise. Levamos onze meses para conseguir lançar a nossa primeira receita e após batermos de frente em alguns muros, aprendemos que deveríamos sempre buscar ter mais controle sobre o nosso processo produtivo. Se a produção terceirizada era um caminho viável para sairmos da panela de 20L, trazia também alguns riscos e limitava a nossa ousadia. Rapidamente entendemos que para chegar onde desejávamos, precisaríamos de mais liberdade e o controle total do processo produtivo. Faltava entender como o público iria reagir à nossa primeira receita.
Em dezembro de 2016, ainda empolgados com o lançamento da Melonrise, demos o sinal na compra dos equipamentos que iriam chegar em cinco meses. Começava a correria para achar imóvel, assinar contrato, tocar obra e toda a papelada de legalização da cervejaria. Achávamos que tínhamos tempo de sobra, alguns meses era uma eternidade para quem vivia uma rotina semanal acelerada. Agora, olhando para traz sinceramente não sei como tudo se alinhou e aconteceu dentro desse prazo.
Com a instalação da cervejaria poderíamos tirar do papel um sonho nosso: ter um local dentro da cidade onde as pessoas pudessem viver a experiência de comprar a sua cerveja onde ela é produzida. O beba local levado ao extremo. Vivemos isso em algumas viagens que fizemos para fora e foram nesses lugares que nos surpreendemos com algumas das melhores cervejas de nossas vidas. Por que isso não podia acontecer em São Paulo?
A escolha por Perdizes não foi difícil. Encontramos um imóvel que abrigou uma mecânica de bairro no tamanho do nosso bolso, há poucos quarteirões da casa do Beto. Em cima do imóvel morava uma senhora que iria ganhar um vizinho pouco convencional. Começaríamos pequeno. Em oitenta metros quadrados encaixamos tudo o que precisávamos para produzir nossas cervejas. Sobraram vinte metros quadrados para nossos clientes beberem a nossa produção direto da fonte, na melhor condição possível.
Nascer pequeno nos trouxe uma tranquilidade para focar no que realmente importa, a qualidade do produto. Liberdade para aprender, errar e jogar no ralo alguns lotes que não ficaram no padrão de qualidade que nos orgulhasse. Foram três meses entupindo todas as partes dos equipamento com cargas altíssimas de lúpulo e malte até estarmos prontos para lançar as primeiras criações produzidas na nossa fábrica:
Blackrose - nossa primeira Russian Imperial Stout. Ela tinha que ter personalidade própria e mostrar para onde queríamos ir. Escolhemos fugir um pouco do padrão do estilo e temperá-la com cardamomo, canela, além de café.
Wild Sour com Morango - nossa primeira Sour. Uma cerveja bem frutada, leve e refrescante que abriu caminho para iniciarmos o trabalho com frutas frescas que encontramos por aqui. Um caminho sem volta.
Nossas primeiras criações na rua Apinajés.
Essas duas cervejas abriram o caminho para um desafio que não tínhamos ideia de como seria: engatar doze torneiras com cervejas próprias que seriam substituídas semanalmente por novas receitas. Coordenar a produção com a operação do Taproom foi um desafio e tanto para nós. Tivemos que amadurecer rapidamente a nossa produção para dar conta das doze torneiras. Existia uma pressão no ar. Sabíamos que enquanto não engatássemos todas as torneiras, não teríamos uma experiência completa para quem nos visitasse.
Levamos quatro meses, após a abertura do Taproom, para conseguir atender à demanda e conseguir engatar as doze torneiras com todos os estilos que queríamos produzir. Nesse período crescemos muito como cervejaria, a minha sensação é que saíamos da puberdade quando conseguimos engatar as doze cervejas. Período rico que certamente rende muitas histórias para o Beto contar nos próximos posts.
Sete meses após abrir as portas, conseguimos alugar o andar de cima. Esse passo nos trouxe uma grande sensação de conquista. Ocupamos o imóvel todo e transformamos aquele sobrado na nossa cervejaria. Uma cervejaria encaixada num sobrado. Certamente não era um imóvel concebido para a operação de uma cervejaria, mas de certa forma representa bem a nossa história. Nesse imóvel aprendemos a trabalhar no aperto, próximos uns dos outros, aproveitar cada centímetro e, de repente, começamos a trazer as pessoas para dentro da nossa cervejaria.
Chaves na mão, o sobrado é nosso!
Em um ano de operação foram cerca de sessenta receitas novas produzidas na rua Apinajés. Em cada lançamento, aprendemos muito com a reação dos clientes. Algumas bem surpreendentes para nós. Esse contato direto nos ajudou a entender para onde deveríamos remar. Passamos a ser menos autocentrados e começamos a entender o nosso verdadeiro papel como cervejaria.
Hoje, podemos dizer que conhecemos bem o gosto dos clientes mais assíduos e conseguimos até prever no tanque qual cerveja agradará mais esses clientes. Buscamos sempre estabelecer uma comunicação pessoal com quem nos visita e entender o que motiva aquela pessoa sair do padrão estabelecido pelas cervejarias industriais. Para nós, cada cliente é um herói que não se deixou levar pela mesmice e escolheu consumir uma cerveja de melhor qualidade, investindo tempo e dinheiro para isso. Cada um deles tem muito a dizer sobre o porquê nos visitar e consumir nossas cervejas.
Desde o começo nos pareceu óbvio que deveríamos estar aberto a escutar, mas escutar ativamente foi um aprendizado. À medida que recebíamos mais visitas, começamos a entender novos públicos e como eles se relacionam com nossas cervejas. O boca a boca tem feito um papel incrível para nós e somos constantemente surpreendidos. A nossa Pils! talvez seja o melhor exemplo disso.
Ainda 100% autocentrados no mundo das cervejas extremas, começamos a receber visita de clientes que vinha com perguntas que nos deixavam embaraçados:
- Tem uma cerveja tipo Stella?
Por mais piruetas que dávamos para tentar explicar que ele poderia consumir uma Juicy IPA no lugar da Stella, não conseguíamos tirar a frustação da cara desses clientes. Era uma forçação de barra que nos incomodava. Ficava óbvio que vivíamos numa bolha até então e que se quiséssemos ser uma cervejaria de verdade deveríamos atender aquele cliente da melhor maneira possível. Daí que surgiu a ideia de termos uma pilsen não filtrada sempre disponível. Seria um produto onde poderíamos falar de frescor e explicar a diferença entre os processos produtivos de uma cervejaria industrial e uma cervejaria artesanal, aproximando aquele cliente ao invés de assustá-lo.
Como num jogo de dados e tabuleiro, a minha sensação é que a Pils! nos credenciou para avançar uma casa, nos aproximando de novos públicos. Há umas semanas começamos a ouvir mais frequentemente um pedido novo por aqui:
- Por favor, uma pilsen sem colarinho.
Para qualquer bebedor de cerveja esnobe esse pedido pode ser uma heresia. Veja só, pedir cerveja sem colarinho! Acontece que aquele cliente chope brahma estava na cervejaria do bairro bebendo pilsen fresca direto na fonte. A revolução estava acontecendo naquele momento! O boca a boca estava trazendo clientes para um mundo novo.
Nessa caminhada de um ano começamos a entender o nosso real papel como cervejaria. A revolução para termos um mercado de cerveja artesanal mais relevante não é no mercado. A revolução acontece no balcão, todo dia. A cada cliente que é bem surpreendido por uma boa cerveja e não sai assustado. Como cervejaria, precisamos estar na linha de frente dessa batalha e criar esse mercado todos os dias, cliente a cliente.
Amadurecemos muito nesse período e tivemos a “sorte” de encontrar pessoas incríveis que mergulharam de cabeça na nossa paranoia em produzir cerveja de alta qualidade e servi-las de forma amigável e descomplicada. Tínhamos muitas dúvidas antes de começar isso tudo. Encontrar pessoas como a Nat, Lau, Lucas, Dudu e Luiz nos trouxe a tranquilidade de que era possível.
Hoje no auge da nossa maturidade de 2 anos de operação, planejamos o futuro em cima do que escutamos, digerimos e acreditamos. Uma equação complexa que acontece quase que naturalmente e nos traz a certeza dos próximos passos.
Que venham os próximos anos! Serão divertidos!
Daniel